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last modified October 13, 2020 by facilitfsm

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Caras e caros companheirxs,

Agradeço você, Boaventura pelo envio do artigo do Aram, assim como pela @1 declaração de intelectuais do FSM. Muitos documentos e reações estão sendo divulgados por membros do CI e expressam a necessidade de  caminhos de renovação e de maior expressão política do FSM. Para uma aparente maioria (mas há discordâncias, é verdade) isso significa enxergar o @2 FSM como ator político planetário. Esse debate é urgente e necessário, quanto mais no contexto atual de pandemias sanitária e capitalista, e deve ser aprofundado, até para melhor definir o que isso significa, em termos de formas de expressão, de processos de convergências e de tomada de decisões, de construção de unidade na diversidade, de relações com outros atores e forças progressistas.

Por isso, assim como outras pessoas o fizeram, permitam-me reagir e dialogar sobre questões e pontos levantados na sua análise, Aram, para alimentar esse debate.

Concordo plenamente com a possibilidade do FSM exercer esse papel maior no cenário internacional, sobre a @3 impotência histórica do CI a renovar-se, inclusive nos seus métodos, e a sua necessidade de interagir mais com a realidade e com os movimentos... E considero que é isso que o CI, bem ou mal, através do grupo de articulação e da secretaria internacional, está tentando fazer, com uma série de diálogos com os movimentos sociais planetários e dentro do próprio CI. Este é um caminho fundamental de construção. É verdade que grandes questões políticas permanecem intocadas, mas acredito que vão aparecer à medida que estamos caminhando e construindo.

Neste campo das ideias então, discordo de outras narrativas recorrentes que consistem em @4 estigmatizar o “comitê brasileiro” e as ONGs, e responsabilizá-las como um todo por esta situação de domínio e crise do CI. É um discurso perigoso que desqualifica conjuntos de atores muito diversificados e que distorce a realidade.

Não há nenhum “comitê” brasileiro, mas organizações e movimentos brasileiros do CI com perfis e opiniões convergentes com as suas sobre o papel do FSM, e outras não. Não voltarei ao episódio da reunião do CI no Canadá, já comentado e explicitado por Sheila, Liège, Boa e Francine. O problema não foi o “grupo brasileiro”, mas outras questões que permanecem atuais: o CI ou o FSM, pode(m) ou não adotar um posicionamento político em defesa de causas e encontrar formas nesse sentido? @5 Como fazer para que o consenso não se torne, como acontece, imposto por algumas poucas vozes discordantes, como se fosse um direito de veto. Isto continua sendo um grande desafio: ressignificar o consenso, facilitando a tomada de decisões sem desprezar a existência de vozes discordantes, mas ao mesmo tempo sem dar a elas um peso maior. 

Por outro lado, assim como as organizações brasileiras do CI, o mundo das ONGs não é homogêneo, em termos de lutas, de perfis e de posicionamentos políticos. @6 Me parece importante fazer distinções e não generalizar os posicionamentos e atitudes de algumas organizações a um conjunto de atores, no caso as ONGs em geral, por exemplo sobre a crise do CI e do FSM.

A dinâmica do FSM vai muito além do que consegue fazer o CI. Nos últimos anos, em muitas regiões do mundo, eventos e processos do FSM surgiram por iniciativas de movimentos, povos e organizações da sociedade civil.@7  Não foi o CI que teve a iniciativa de construir esses eventos, como foi lembrado. O CI precisa aprender, dialogar e construir com esses fóruns, sem impor. Todos esses eventos e processos nos ensinam caminhos, mas devemos ser capazes de enxerga-los e ir além dos julgamentos precipitados. É com este objetivo que foi previsto em setembro um diálogo do CI com os fóruns temáticos, nacionais e regionais do FSM.

Quero aproveitar aqui para voltar sobre a última edição do FSM, o FSM 2018 realizado em Salvador da Bahia. Há muitas narrativas sobre o evento, decorrentes da própria diversidade de participantes. Faço aqui uma releitura do evento, a luz do relatório do FSM 2018 que vocês podem encontrar aqui https://wsf2018.org/wp-content/uploads/2019/11/Relat%C3%B3rio-FSM-2018-1.pdf (versão em PT, demais versões em outras línguas sendo esperadas). O FSM 2018 também aponta importantes caminhos para o FSM.

O FSM 2018 foi o resultado de um longo processo democrático iniciado por um conjunto de movimentos e organizações baianos e brasileiros. Foi extremamente @8 expressivo nas suas dimensões de resistência “não branca”, popular, cultural e política frente ao modelo neoliberal, eurocêntrico e colonialista, com a presença emblemática de povos e comunidades tradicionais, indígenas e de matriz africana, religiosas e quilombolas, de movimentos feministas, LGBTQI e juventudes, entre outros. @9 A construção do FSM 2018 não foi orientada por uma “visão das comunidades de base católicas brasileiras”, como foi dito, nem com a oportunidade de financiamentos para seus organizadores. O FSM 2018 atuou com um orçamento extremamente reduzido, conduzido por um coletivo plural e democrático e buscou incluir no seu processo de construção os mais diversos segmentos, com humildade e abertura. O FSM 2018 mostrou que ninguém se sentirá incluída ou incluído no processo do FSM se não puder trazer a sua própria verdade e modo de ser.

O FSM 2018 aponta caminhos na luta anticapitalista, antifascista, antirracista, antipatriarcal, antissexista e anticolonialista. É preciso estimular a radicalização dos nossos discursos no enfrentamento ao patriarcado e ao racismo e na defesa da democracia. E lutar contra a colonialidade dentro das nossas próprias relações de solidariedade internacional.

O FSM 2018 teve, sim, uma forte expressão política, com o evento com o ex-presidente Lula, as múltiplas manifestações dos movimentos negros e de mulheres e de denúncia do assassinato de Marielle Franco, vários tribunais, @10 e mais de 20 assembleias e encontros de convergência (2 relacionadas com justiça ambiental e mudanças climáticas). Essas convergências poderiam ter maior expressão no FSM e na sociedade? Poderiam, sim, e devemos trabalhar para isso.

O FSM 2018 enfim nos deixa alguns “ensinamentos” sobre os processos de convergência e de tomada de decisões. Não foi uma dinâmica nada fácil, mas muito rica, inclusive sobre o próprio conceito e a prática do consenso. A diversidade foi o ponto inicial para buscarmos formas de fortalecermos nossas lutas comuns, sem ser um impeditivo da busca para ações comuns.@11 Mesmo sem unanimidade, decisões puderam ser tomadas, começando pela própria decisão de realizar o FSM em Salvador. Coube também à lideranças dos movimentos as decisões relativas as suas próprias lutas. As divergências se transformaram em alertas, em orientações, estratégias e cuidados especiais sobre determinadas questões...

Esperamos que o CI junto com os movimentos com quem está atualmente em diálogo, possa encontrar @12 formas de superação e de renovação nas formas de se fazer política, e estar à altura da dinâmica dos povos e da gravidade da situação do planeta.

Damien Hazard, 

Vida Brasil / Coletivo Bahia FSM