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Os Fóruns Sociais Mundiais: um processo de construção da união dos que lutam contra o neoliberalismo, por um “outro mundo possível”. 

( Automatico desde FR para revisar) 

Chico whitaker


Os Fóruns Sociais Mundiais, o primeiro deles realizado em janeiro de 2001 em Porto Alegre, Brasil, são agora conhecidos em todo o mundo. No entanto, as informações que as pessoas têm sobre ele não são completas ou precisas. Este texto tem como objetivo fornecer algumas informações para ajudar a preencher essas lacunas.


Preliminares

Em primeiro lugar, os Fóruns Sociais Mundiais não devem ser confundidos com o movimento internacional conhecido como alter-globalização. Ocupou o lugar da antiglobalização - aquele conjunto diverso e múltiplo de mobilizações de protesto e resistência que começou a surgir, em todo o mundo, quando o processo de globalização do sistema capitalista ganhou velocidade, após o Queda do Muro de Berlim em 1989. A palavra "anti" foi, na época, a que melhor refletia seu caráter de movimento de oposição. Mas então, os Fóruns Sociais Mundiais tendo afirmado desde 2001 que um "outro mundo" é possível, a palavra "alter" substituiu-a, pois se tratava de buscar uma alternativa para a expansão planetária do mundo. Onda “neoliberal”. 

As mobilizações se multiplicaram sob esse novo nome. Para expressar seu desacordo com as políticas de instituições-chave do sistema dominante, como o Fundo Monetário Internacional - FMI, o Banco Mundial - BM e a Organização Mundial do Comércio - OMC, um número crescente de manifestantes lotou as ruas dos locais onde se encontraram. seus líderes. Da mesma forma, houve protestos contra reuniões de chefes de estado de países dominantes, como o G8 ou o G9. 

Essas mobilizações são, portanto, de natureza diferente das reuniões realizadas no âmbito do FSM. As mobilizações da alter-globalização são uma sociedade que se move, que atua contra o sistema dominante, ou que busca eleger governos para acabar com as guerras de ocupação ou fratricida, crescentes desigualdades, de destruição do planeta. O FSM é um instrumento criado, dentro desse movimento, a serviço dessas lutas. 

Portanto, não devem ser confundidos com a própria ação política da sociedade. Eles não querem substituir os movimentos e organizações que os dirigem, nem liderá-los em suas lutas. Eles também não querem se tornar o "movimento dos movimentos", nem seu algo (). Eles simplesmente querem ajudar os movimentos sociais a fazer o que estão fazendo, como apoiá-los. Não são, por outro lado, um acontecimento localizado no tempo ou uma série de acontecimentos. São, de fato, um processo a serviço da construção da união e da crescente articulação de quem luta para mudar o mundo. 

O FSM como instrumento 

As mobilizações pela paz e contra a invasão do Iraque, em 2003, são um bom exemplo desse tipo de instrumento do FSM, de apoio à ação da sociedade, e de sua real utilidade. Um certo número de participantes do Fórum Social Europeu, em novembro de 2002 em Florença, Itália, propôs esta mobilização. Eles fizeram isso novamente em janeiro de 2003 durante o Fórum Social Mundial em Porto Alegre, Brasil. O FSM, portanto, não “convocou” tal evento. Ele simplesmente criou a oportunidade para que a proposta fosse feita e discutida pelos participantes dessas reuniões. As organizações que o aceitaram assumiram a responsabilidade de divulgá-lo em suas redes. 15 milhões de pessoas então encheram as ruas em todo o mundo,sem que essa participação se organizasse "de cima" - como era o caso na época das grandes manifestações de Seattle, antes do FSM, e cuja metodologia de mobilização em redes certamente a influenciou.

Essa distinção - entre a sociedade em movimento e os FSMs a seu serviço - não é totalmente aceita por todos, entre aqueles que participam dos Fóruns e mesmo entre aqueles que os organizam no mundo. Muitas vezes se propõe que o FSM assuma a “liderança” do movimento social - como se fosse sua cúpula. Este desejo vem particularmente daqueles que, ansiosos pela urgência das mudanças a serem feitas por mais justiça ou para proteger o planeta de sua destruição, querem colocar seu poder de atração a serviço da expansão da mobilização social. Essa diferença de entendimento sobre a natureza do FSM está na origem de muitas discussões que acontecem sobre a metodologia a ser adotada na organização de suas reuniões.

Essa é, de fato, uma discussão que ocorre nos FSMs desde o início. O debate - é um espaço ou um movimento? - está sempre presente entre os organizadores dos Fóruns. Ganhou intensidade a partir de 2003, quando a própria questão ficou mais clara, mas continua em curso, embora o FSM já seja considerado, pela maioria de seus organizadores, mais como um espaço - ou um “espaço aberto”, como se costuma dizer. Ele voltou com força por ocasião do FSM de 2009, quando a crise financeira mostrou as enormes falhas do próprio sistema, mas os partidos e movimentos sociais - ou a alter-globalização, mais genericamente - não conseguiram eficiência necessária para aproveitar a oportunidade em sua ação para mudar o mundo.Muitos pensaram então que caberia ao FSM suprir suas lacunas, tornando-se ele mesmo um ator político, com o papel de orientar todos os movimentos existentes. 

Com meus colegas brasileiros que participaram da organização do primeiro FSM, assim como com muitas pessoas de todo o mundo, estou entre aqueles que pensam que é absolutamente necessário manter o FSM como um espaço aberto. Convencido disso, até escrevi em 2005 um livro para defender essa opção (). Acreditamos que não podemos exigir do FSM o que, por sua própria natureza, ele não pode dar. E que, se mudarmos a sua natureza, corremos o risco de de facto destruí-la, como instrumento à disposição da alterglobalização precisamente para ganhar eficiência ...  

Assim, feitos estes esclarecimentos preliminares, gostaria de dizer porque e como este instrumento, que antes não existia, foi "inventado" (), tendo-se tornado, dez anos após a sua criação, um dos mais importantes meios de que dispomos temos hoje na luta contra o domínio do capital. 


Primeiros passos

A queda do Muro de Berlim em 1989, a que já me referi, simbolizou o fracasso da longa experiência socialista da União Soviética no século passado. O sistema capitalista aproveitou a oportunidade para se estender, sob o manto neoliberal, por todo o mundo, “globalizando” rapidamente a lógica do dinheiro, da competição, do individualismo e da exploração. Na verdade, foi uma nova etapa na história da humanidade que estava começando. Este processo de globalização capitalista que o mundo viu nascer há 500 anos assumiu, no final do século XX, uma intensidade e uma força nunca antes vistas.

Os adeptos desse sistema supostamente triunfante apresentavam então o mercado como o único mecanismo econômico capaz de garantir a satisfação das necessidades humanas, atribuindo-lhe também a capacidade de resolver por si só todas as disfunções da economia. Margaret Thatcher, primeira-ministra inglesa no início desta forte expansão do neoliberalismo, afirmou que não havia alternativa, resumindo esta ideia com a palavra TINA, do inglês: “não há alternativa " 

Aqueles que por quase dois séculos se opuseram a este sistema permaneceram perplexos por alguns anos. Logo, porém, os efeitos perversos da dominação do capital, tanto para os seres humanos quanto para o planeta, começaram a ficar claros. Multiplicaram-se então várias manifestações e ações de resistência, às quais também me referi, dando origem ao movimento que, pouco depois, veio a ser conhecido como antiglobalização. 

A frase “outro mundo é possível”, adotada para sintetizar as perspectivas do Fórum Social Mundial, nascido nesse movimento em 2001, refletia claramente uma necessidade sentida e compartilhada em quase todo o mundo: a de afirmar que a mudança viria. Tendo reacendido as luzes da esperança e da utopia, esta iniciativa rapidamente ganhou impulso.


Uma origem inesperada 

A história desse processo nos oferece uma primeira surpresa: a ideia de lançar uma iniciativa global de oposição ao sistema capitalista não surgiu da cabeça de ativistas políticos radicalmente anticapitalistas. 

Com efeito, foi um líder empresarial - e, portanto, o agente econômico por excelência do sistema lutado - quem primeiro teve a idéia de organizar este Fórum. Tinha visto que o "pensamento único" () em torno da primazia do mercado se impunha ao mundo, pelos grandes meios de comunicação de massa, a partir das reuniões do Fórum Econômico Mundial (FEM), que reuniu por cerca de trinta anos, na luxuosa estação de esqui de Davos, na Suíça, os líderes de grandes empresas multinacionais e chefes de governo de países ricos. 

Esse empresário - Oded Grajew - sabia que a humanidade continuava buscando e encontrando outras formas de fazer a economia funcionar, substituindo as lógicas do capitalismo pelas da cooperação, visando o bem-estar. pessoas e conservação da natureza. Assim, considerou que o movimento antiglobalização poderia passar do protesto e resistência ao capitalismo - um dos resultados do qual foi a ascensão da repressão - a propostas concretas e já existentes para sua superação. Segundo ele, podemos entrar em uma nova fase dessa luta. Contra o sistema, sim, mas e em seu lugar?

Propôs então a organização de um contraponto ao Fórum de Davos, nas mesmas datas que este, para mostrar claramente o que era contra: um Fórum centrado nas necessidades humanas e não no dinheiro. Um Fórum Mundial portanto "social", reunindo aqueles que não aceitavam o modelo socioeconômico dominante e que buscavam alternativas, baseadas na solidariedade. 

Em conversas realizadas, por ocasião do nascimento desta proposta, com os dirigentes do jornal "Le Monde Diplomatique" da França (), foi decidido buscar a realização deste novo Fórum na cidade brasileira de Porto Alegre. , onde foi realizada uma dessas experiências: o “orçamento participativo” (). 

Obviamente, esse empresário não era tão parecido com seus colegas. Brasileiro, tinha forte preocupação com a justiça, vivendo em um país marcado por escandalosas desigualdades sociais. Com o fim do regime militar instaurado no Brasil em 1964, participou de seu processo de redemocratização, entre outras coisas, criando um movimento de "empresários pela democracia". () Esteve também na origem do estabelecimento de uma organização voltada para a difusão, no meio empresarial, da "responsabilidade social corporativa". () Portanto, tinha credibilidade política suficiente para que sua proposta seja aceita imediatamente, após seu retorno ao Brasil, por organizações e movimentos sociais brasileiros (),oito dos quais foram imediatamente envolvidos na preparação do primeiro Fórum Social Mundial, realizado em janeiro de 2001, em Porto Alegre. () 

A situação brasileira naquela época também ajuda a explicar essa aceitação imediata. Vivíamos no Brasil em um clima de desmobilização social. Um novo partido fundado em 1981 - o Partido dos Trabalhadores (PT) - propôs a “reversão de prioridades” para que as políticas públicas brasileiras atendessem às necessidades das maiorias nacionais. Todos os que lutaram contra o regime militar - independentemente do seu setor social ou da sua lealdade política - consideraram que esta reversão era necessária e urgente. De 1986 a 1988, participaram intensamente da elaboração da nova Constituição de 1988, regime pós-militar. No entusiasmo dessa mobilização, o PT apresentou em 1989 a candidatura de um operário, Luiz Ignácio Lula da Silva, à Presidência da República.Essa tentativa fracassou, como aconteceu nas duas eleições seguintes, em 1994 e 1998. A proposta de criar um “fórum social” desse tipo em 2001 oferecia, portanto, uma boa oportunidade para renovar a mobilização e debate, tanto no PT quanto em outras forças políticas, para avançar nesse processo de reversão. É esse contexto particular que nos permite compreender melhor as razões do clima de alegria e reencontro entre os brasileiros que caracterizou o primeiro Fórum Social Mundial.É esse contexto particular que nos permite compreender melhor as razões do clima de alegria e reencontro entre os brasileiros que caracterizou o primeiro Fórum Social Mundial.É esse contexto particular que nos permite compreender melhor as razões do clima de alegria e reencontro entre os brasileiros que caracterizou o primeiro Fórum Social Mundial.


Escolhas metodológicas

As organizações brasileiras que assumiram a organização do Fórum acrescentaram então, à proposta inicial, outras considerações: 

- vivíamos um final de século cheio de frustrações, pelo fracasso de tantos esforços de superação do sistema capitalista, cujos efeitos foram sentidos pela multiplicação das guerras de ocupação e fratricidas, crescentes desigualdades e o risco de destruição do planeta;

- ao mesmo tempo, tomamos consciência da limitação dos partidos como principal instrumento de organização da ação política e do esgotamento da noção de vanguarda tendo o papel de liderar as massas ; 

- a sociedade civil surge como um novo ator político, com toda sua diversidade;

- foram testadas novas formas de organização não piramidal da ação - redes - que exigiam horizontalidade nas relações entre seus participantes;

- percebemos a necessidade, para efetivamente mudar o mundo, e ainda mais para salvar o planeta, do envolvimento de toda a sociedade - cada um como sujeito de seu destino.

 Foi então necessário tentar respeitar todas essas considerações na definição da metodologia de organização deste novo Fórum. Deveria, portanto, perseguir duas utopias ao mesmo tempo: a de um "outro mundo" e a de uma revolução cultural na ação política - esta segunda utopia conduzindo à necessidade de buscar uma forma de organizá-la. a proposição, o debate e a experimentação de novos instrumentos, meios e modos de ação. 

 As escolhas feitas neste sentido foram influenciadas por várias iniciativas e eventos anteriores. Já citei uma das mais recentes: as manifestações em Seattle, nos Estados Unidos, em 1999, para desafiar a Organização Mundial do Comércio - OMC. Eles foram uma das primeiras ações antiglobalização em larga escala, e seus participantes foram mobilizados em uma rede. Um pouco antes, nos anos 90, o mundo havia conhecido a rebelião dos indígenas de Chiapas, no México - os zapatistas - que faziam toda uma crítica às hierarquias e ao funcionamento dos partidos. Anteriormente, houve a rebelião global da juventude, que se espalhou por muitos países ao redor do mundo em 1968, opondo-se a diferentes tipos de autoritarismo. E muito mais antes, Ghandi havia proposto um princípio de ação segundo o qual oa meta a ser alcançada já é o caminho para alcançá-la. 

O Fórum não foi então concebido como um campo reservado aos militantes de sempre partidos políticos; e menos ainda como um espaço de encontro daqueles que discutiram ou seguiram juntos tal ou qual outra diretriz específica, como os vários “internacionais” que o mundo conheceu. Foi pensado como um espaço da sociedade civil - este novo ator político independente dos partidos - aberto a todos aqueles que, em suas organizações, buscam novas formas de tentar resolver os problemas que os povos do mundo enfrentam. 

Na organização das atividades neste espaço nada deve vir de cima, como nas sociedades manipuladas e domesticadas, nem ser imposto, de forma autoritária. As atividades do Fórum seriam todas criadas a partir de baixo e de dentro, pelos próprios convidados a vir, em plena liberdade e sem hierarquias entre si. 

Por outro lado, era necessário estabelecer como princípio na organização e condução dos Fóruns o da cooperação e não da competição. Este é o principal motor da dinâmica capitalista, mas, entre aqueles que a lutam, faz com que se destruam a ponto de se matar. Divisão é apenas sobre dominantes - você tem que dividir para dominar. Essa divisão, recorrente na esquerda, só serve para enfraquecer os que lutam contra o sistema, estando, portanto, na raiz das frustrações deste final de século. Era preciso, portanto, colocar o Fórum a serviço da construção da união de seus participantes e organizações. 

Esse sindicato permitiria então o desdobramento da enorme força que é a da empresa, pelo fato de seus membros serem trabalhadores - capazes de parar as máquinas que produzem e, portanto, os lucros de seus proprietários; consumidores - capazes de bloquear o mecanismo fundamental do capitalismo, o de transformar dinheiro em mercadorias que só voltarão a ser dinheiro se forem consumidas; eleitores, que elegem líderes políticos e também podem destituí-los se eles não merecem mais sua confiança. 


A surpresa do acolhimento recebido

Foi assim que os organizadores decidiram não definir o tema FSM de antemão, organizando grandes apresentações para o lançamento dos debates. O Fórum Econômico de Davos foi organizado dessa forma, assim como a maioria dos fóruns. É claro que os convites tiveram que ser feitos para garantir a presença de intelectuais e ativistas renomados que pudessem atrair interessados ​​para ouvi-los. Porém, era mais importante identificar todos os temas a serem discutidos para a construção de um mundo de paz e justiça, e convidar as pessoas a virem apresentar suas lutas e vivências nesta perspectiva, organizando-se, livremente, suas atividades dentro do Fórum. Isso levou à decisão de realizar um número limitado de grandes conferências magistrais e abrir oEspaço de fórum para workshops de discussão auto-organizados. 

Também aí uma peculiaridade brasileira influenciou essa decisão. Com efeito, uma pedagogia de educação popular nascida no país () havia sido adotada pela grande maioria dos movimentos sociais no Brasil, bem como pela Igreja Católica em suas comunidades eclesiais de base - as CEBs (). Segundo um dos princípios desta pedagogia, professores e alunos aprendem sempre uns com os outros, nos vários saberes que cada um possui. Esta metodologia, portanto, estimula a criação de relações horizontais entre os participantes de qualquer ação coletiva.

O convite para a realização de workshops autogestionados teve uma resposta muito positiva: o número de workshops inscritos foi dez vezes superior ao previsto pelos organizadores. Além disso, esse interesse por workshops foi amplamente confirmado nos fóruns a seguir. Hoje, a autoprogramação de oficinas e atividades de todos os tipos pelos próprios participantes tornou-se uma especificidade metodológica dos fóruns sociais em geral.

Outra decisão importante foi tomada nessa mesma perspectiva de horizontalidade: a recusa em encerrar o FSM com declarações ou moções conclusivas, alegando expressar posições endossadas por todos os participantes a fim de proporcionar a todos diretivas "de cima". Nisso, o FSM seria semelhante ao de Davos que também não tem uma declaração final como Fórum. De fato, a possibilidade ou a necessidade de se chegar a uma declaração ou direção comum a todos os participantes tornaria isso um espaço de disputa para sua aprovação, como as assembléias ou congressos de movimentos ou partidos. Isso só levaria à manipulação considerando o grande número de participantes e a curta duração do Fórum.

Essas duas escolhas combinadas - a auto-organização das atividades e a recusa em endossar um único documento final - tornaram-se verdadeiros pilares da metodologia adotada, que conferem ao FSM um grande poder de atração. Muitas pessoas se interessaram em vir sabendo que teriam um espaço para trocar livremente e sabendo que não seriam “utilizadas” para servir a objetivos ou estratégias que podem não ser necessariamente seus.

Todas estas opções corresponderam, de facto, a intuições - poderíamos mesmo falar em apostas - que se revelaram muito ricas e que foram, aliás, aprofundadas nos Fóruns posteriores. As escolhas metodológicas resultantes garantiram que o primeiro Fórum Social Mundial fosse um grande sucesso. Ao atrair não apenas participantes de outras regiões do Brasil, mas também de diversos países do mundo, seu número superou em muito as expectativas dos organizadores: eram esperados cerca de 2.500 pessoas, mas vieram 20.000. 


Um espaço autônomo para a sociedade civil

L’orientation de réserver le Forum aux organisations de la société civile s’est montrée, d’autre part, très opportune. En fait, leur émergence, depuis quelques décennies, comme des nouveaux acteurs politiques, autonomes vis-à-vis des partis et des gouvernements, était une réponse aux insuffisances de la démocratie représentative et à celles des partis comme seul instrument d'action politique. Mais, contrairement aux gouvernements et partis, cette société civile ne disposait pas d’espaces à elle – encore moins au niveau mondial – pour consolider les rapports entre les organisations qui la composent, et le Forum Social Mondial créait l’opportunité de disposer d’un tel espace. 

Mas também precisava ser protegida de partidos e governos, acostumados a usar a sociedade civil para atingir seus próprios objetivos. Os organizadores, portanto, introduziram uma cláusula restritiva ao princípio de abertura do Fórum: nenhum partido político como tal, nem governo ou instituição intergovernamental poderia registrar atividades autogovernamentais. Apesar dessa restrição, participantes individuais ou de organizações da sociedade civil, filiados a partidos, poderiam participar das atividades. No entanto, como sua participação não se baseava na filiação partidária, os partidos não podiam utilizá-los para propaganda, no Fórum, ou para introduzir uma dinâmica competitiva, característica das relações partidárias.O mesmo raciocínio aplicado em relação à participação dos governos. () 

A criação desse espaço para a sociedade civil possibilitou outras descobertas. A fragmentação que o caracteriza e que diminui a força do todo se deve à extrema diversidade das organizações que o compõem, em termos de seus objetivos, dimensões, setores sociais envolvidos, temas e ritmos de atuação. Esta observação combinou-se então quase naturalmente com a da multiplicidade e da extrema diversidade das ações necessárias para construir um mundo diferente. Era preciso, portanto, buscar a construção do sindicato sem querer homogeneizar o tecido da sociedade civil, como as forças do "mercado" buscam fazer com os consumidores, a fim de reduzir custos e vender o máximo possível, na lógica do sistema capitalista. A aceitação da multiplicidade necessária deas iniciativas e o respeito à diversidade foram, portanto, rapidamente percebidos como um dos princípios fundamentais do processo FSM. 

Estes princípios, tal como as relações horizontais em rede - esta inovação organizacional vivida no mundo há várias décadas - têm sido reconhecidos como sendo a forma alternativa de se construir a união da sociedade civil, sem necessitar das tradicionais estruturas hierárquicas piramidais de organizações políticas, trabalhistas e governamentais.


Fórum de espaço e não movimento

É a partir de todas essas escolhas que o Fórum Social Mundial acabou ganhando, na prática, um caráter de espaço aberto (), colocado à disposição de todos aqueles que acreditam que outro mundo é. possíveis e que decidem superar barreiras, preconceitos, divisões, para se ajudarem, cooperarem e construirem sua união. 

Com efeito, este espaço permite que se encontrem, se reconheçam, troquem experiências, identifiquem convergências, se articulem em redes na horizontalidade e no respeito mútuo, lutem juntos pela promoção dos valores. de uma nova civilização, onde os seres humanos estariam em harmonia uns com os outros e com sua mãe comum, a Terra. 

A organização de fóruns deste tipo tem sido muito rica, principalmente para os seus responsáveis. Ao entrar nesta nova prática política, eles próprios percebem as mudanças necessárias na sua forma de trabalhar. Foi assim que surgiu a ideia de dizer que eram facilitadores de um processo e não organizadores de um evento. Essa mudança na maneira de se ver nem sempre é óbvia, porém. Muitos, por vezes, continuam a dizer que são os organizadores ou os coordenadores, ou mesmo que eles próprios são tal e tal Fórum Social, como se “seu” Fórum fosse uma organização ou entidade própria e não um serviço coletivo. criação de espaços abertos. Mas é um mau começo que, quando não leva ao desaparecimento desses Fóruns, consegue se autocorrigir.

L’adoption de la règle du consensus pour décider, à la place du vote par lequel c’est la volonté de la majorité qui emporte, a constitué un des éléments de cette vrai rééducation. Cette règle apprends à entendre. Si on n’a pas à convaincre les autres pour gagner leur votes, il faut chercher la vérité dite par l'autre et non ses erreurs, qui seraient à montrer à ceux qui iraient voter. On peut alors joindre la vérité de l’autre a notre vérité, pour construire une troisième vérité acceptable par tous. Il s’agit là, en effet, d’un processus très proche de ce qui nous apprend la sagesse séculaire des peuples originaires de tous le continents, d’avant l’invasion de leurs pays par la logique de l’accumulation de l’argent.

Os espaços assim criados no processo FSM não deram, portanto, origem a um novo movimento, em competição com os que existiam. Afinal, eles se afirmaram como um instrumento - opção a que já me referi - para ajudar a que todos esses movimentos se reforcem. Também se destacaram como espaços incubadores de novos movimentos e outras iniciativas possíveis, articuladas em rede, na diversidade de lutas necessárias, em todos os níveis, para mudar o mundo. 


A expansão necessária

O sucesso do primeiro Fórum forçou automaticamente seus organizadores a embarcar em um segundo e depois em um terceiro. O número de participantes aumentou de ano para ano: 50.000 em 2002, 100.000 em 2003. Em 2004, um quarto fórum, com 120.000 participantes, já foi organizado fora do Brasil, na Índia (), a país com uma história e cultura muito diferente do Brasil. Novamente no Brasil em 2005, 150.000 pessoas compareceram. 

Outros formatos também foram testados, como o Fórum de 2006, descentralizado em três capitais e em três continentes, na América Latina, África e Ásia (). Teve também o formato do Dia Global de Ação em janeiro de 2008, que aconteceu em todo o mundo, com uma grande diversidade de atividades e pequenas e grandes iniciativas. Em 2007, o primeiro FSM realizado na África atraiu um pouco menos participantes, cerca de 70.000, em Nairóbi, Quênia (), mas o FSM 2009 em Belém do Pará, Brasil, atraiu novamente 150.000 participantes.

Além disso, fóruns-espaços em outros níveis - regionais, nacionais e até locais - e fóruns temáticos começaram a ser organizados em todo o mundo, a partir de 2003. E antes do próximo FSM novamente na África, em Dacar em 2011, 2010 terá mais de 40 fóruns ou encontros desse tipo em todos os continentes. 

Cada FSM é metodologicamente diferente do anterior. Os seus organizadores procuram aprender com os ensinamentos de outros já alcançados, adaptando-os à realidade dos seus países ou regiões, para que possam cumprir cada vez melhor os seus objectivos de permitir, nos encontros, o reconhecimento mútuo que supera barreiras artificiais e preconceitos, bem como trocas: aprender com o conhecimento dos outros e “desaprender” velhas práticas hierárquicas e competitivas; debater novas ideias e propostas para uma nova sociedade pós-capitalista; identificar convergências entre o que todos estão fazendo; construir novas alianças, com respeito à diversidade e à necessidade de uma multiplicidade de ações; para lançar novas ações,sem criar novas pirâmides que sempre provocam lutas pelo poder concentradas em seus picos.  

Mas, para realizar os fóruns, não são os serviços de promoção profissional de namoro que são usados. São da responsabilidade das organizações da sociedade civil de cada país ou local que tenham decidido enfrentar este desafio, sem qualquer experiência anterior deste tipo. Portanto, sempre há espaço para improvisações, que muitos consideram uma organização deficiente. Estas carências, que exigem criatividade e adaptabilidade dos participantes do Fórum, baseadas na confiança mútua e na solidariedade, tornam-se, de facto, quase uma das suas marcas - ou a sua “cultura”. Essa dinâmica acaba resolvendo os problemas que vão surgindo, uma vez que todos se percebem co-responsáveis ​​por essa construção coletiva. E seu sucesso cria uma atmosfera de alegria,muito diferente do usual em reuniões políticas, carregadas de tensões por desconfiança e controles mútuos. Na verdade, essa criatividade e essa corresponsabilidade são também condições necessárias para abrir caminhos desconhecidos para um novo mundo e, portanto, fazem parte da nova cultura política em construção.


A Carta de Princípios e o Conselho Internacional do FSM

La création de ces multiples espaces à travers le monde et à différents niveaux ne pouvait évidement pas dépendre de ceux et celles qui ont réalisé le premier FSM au Brésil. Les huit organisations brésiliennes qui en étaient responsables avaient déjà invité les organisations sociales d’autres pays à organiser des forums de même type, là où ils pourraient être utiles. En accord avec le principe de l'auto-organisation adopté au FSM, ces autres forums sociaux seraient de la responsabilité des organisations locales ayant pris cette initiative. Là aussi, il y avait une différence par rapport aux rencontres de Davos ou les rencontres de suivi du FÉM. Celles-ci sont programmées et organisées par une grande entreprise disposant de beaucoup de ressources – chaque participant doit payer des milliers de dollars, tandis que lors des FSM, les couts d’inscription des participants sont presque toujours symboliques.

Mas como garantir que os demais fóruns do processo FSM tenham o mesmo sucesso do primeiro, realizado em 2001? As oito organizações brasileiras já tinham pela frente esse desafio para a realização do segundo Fórum a ser realizado em Porto Alegre. Em seguida, desenvolveram, imediatamente após a primeira e a partir de suas aulas, uma Carta de Princípios. Serviria como um “manual” para seu novo desafio. Poderia então guiar também aqueles que decidiram embarcar na aventura de criar novos espaços abertos do mesmo tipo. 

Um dos princípios fundamentais desta Carta foi a afirmação de que não é um lugar de luta pelo poder, que está na raiz da divisão. Um segundo, igualmente importante, foi o respeito pela diversidade: todos os tipos de diversidade - cultural ou social até o nível e ritmo do compromisso individual. 

O sucesso do segundo e do terceiro FSM realizados em 2002 e 2003 em Porto Alegre segundo esta Carta foi a prova tangível da validade de seus princípios. A sabedoria de seu conteúdo foi então confirmada pelo sucesso dos outros Fóruns organizados posteriormente. 

Sua aceitação, especialmente fora do Brasil, não foi, no entanto, automática ou fácil, pois abriu novos caminhos em muitos aspectos da prática política atual. Gradualmente, porém, a Carta foi sendo adotada por um número crescente de organizações que passaram a fazer parte do processo de fóruns sociais.

Organizações brasileiras também convidaram mais de cinquenta organizações de diferentes países, após o primeiro Fórum, para formar um Conselho Internacional (CI) para apoiá-las no restante de seu processo. Em seguida, apresentaram a Carta de Princípios a este Conselho, que a aprovou. Esta Carta tornou-se, portanto, uma referência básica para qualquer fórum que deseja aderir ao FSM. E o Conselho, agora composto por cerca de 130 organismos internacionais, busca garantir a continuidade do que já se tornou - de fato e não apenas como um desejo - um processo contínuo de crescente e múltipla articulação de indivíduos e organizações da sociedade civil de todo o mundo, apoiadas ou não em eventos “fóruns”, para o surgimento de uma sociedade civil planetária. 


Uma nova cultura política, um novo bem comum da humanidade

Os organizadores brasileiros foram percebendo aos poucos que estavam de fato participando de uma "invenção política" (). As orientações que eles adotaram não são totalmente implementadas na organização de fóruns sociais em todo o mundo. 

Qualquer nova cultura política vai se construindo aos poucos, exigindo novas estruturas e mudanças pessoais, dentro de cada um que participa do processo, em uma perspectiva de autoformação. Mas essa construção continua.


Em resumo, essas orientações foram as seguintes:

- horizontalidade nas relações entre os participantes;

- a recusa de um único documento final; 

- auto-organização das atividades de acordo com o ritmo e a forma escolhida por cada um; 

- respeito pela diversidade; 

- abertura de espaço; 

- promover a proliferação de iniciativas de todos os tipos; 

- a possibilidade de discutir questões políticas em clima de festa e não na disputa permanente e às vezes cruel, mesmo entre aliados; 

- confiança mútua;

- a busca constante pela transparência absoluta; 

- disciplina por convicção e não por obediência aos comandos; 

- a disposição de estar a serviço das esperanças coletivas, em vez de lutar constantemente por diferentes tipos de poder pessoal ou de grupo; 

- aceitar as inadequações dos outros e seus próprios limites; 

- organização em rede onde todos são responsáveis ​​no exercício de funções diferentes, em vez de estruturas hierárquicas piramidais nem sempre democráticas; 

- a consciência da insuficiência dos partidos para avançar na luta política; 

- ir além da ação política que se limita às manifestações nas ruas.

Este é, de fato, um conjunto de comportamentos e percepções incomuns no mundo da ação política, até o surgimento dos Fóruns Sociais Mundiais. Esta nova cultura política, percebida como o único caminho que pode efetivamente conduzir ao “outro mundo possível”, está, sem dúvida, a contribuir para a consolidação de uma ética que possa garantir a continuidade da espécie humana e do planeta. , na justiça e na paz.

A dimensão que assumiu sobre o processo FSM e as perspectivas que ele abriu, porém, ainda apresentam novos desafios. Já pudemos reconhecer que o FSM não pertence e não pode pertencer a ninguém, a nenhum grupo, a nenhum partido atual ou político, e a nenhum tipo de organização da sociedade civil em particular. Poderíamos até já afirmar que o processo FSM - como uma série de "lugares públicos" abertos de tempos em tempos em todo o mundo e como as articulações que se seguem - tornou-se um novo Bem Comum da Humanidade, assim como outros bens comuns, como água, terra, conhecimento, safras, patrimônio genético ou saúde. () 

O Manifesto pela Recuperação dos Bens Comuns, que foi uma das propostas apresentadas no FSM 2009, em Belém, Brasil, apelou à luta para “desprivatizá-los” e “descomodificá-los”, contrapondo-se à tendência imposta pela lógica capitalista. Falta descobrir a melhor forma de gerir estes Bens Comuns, de forma a garantir a sua protecção ao serviço de todos e a sua continuidade no tempo, sem que se esgotem. Esse mesmo desafio se coloca atualmente ao Conselho Internacional (CI) do FSM, cada vez que ele deve refletir e decidir sobre o acompanhamento a ser dado ao processo do Fórum. Esperemos que a imaginação e as intuições que até agora conseguiram alimentá-la nos permitam continuar a encontrar os caminhos certos a seguir.

07/03/2010