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FSM -20 ANOS E MEMÓRIA

Está escrito no Estádio Nacional de Santiago onde o regime Pinochet encarcerou e assassinou milhares de opositores políticos:

"UM POVO SEM MEMÓRIA É UM POVO SEM FUTURO"

A comemoração dos 20 anos e a discussão sobre o futuro do Fórum Social Mundial me estimularam a compartilhar um pouco da memória e da história desta importante iniciativa. Acho que pode ajudar a refletir sobre o presente e o futuro, para aqueles que acompanharam esta história desde o começo e para aqueles que se incorporaram ao longo do tempo.

Estava em janeiro de 2000 em Paris com minha mulher, Mara. O Fórum Econômico Mundial estava em toda a mídia proclamando o triunfo do neoliberalismo e acusando os opositores de não ter nenhuma proposta alternativa. Meu extremo incomodo me fez ter uma ideia: já que tem o Fórum Econômico Mundial que proclama que a economia neoliberal irá resolver todos nossos problemas sociais, porque não criar um Fórum Social Mundial que privilegiasse as condições sociais, que mostrasse que há alternativas, que um outro modelo de economia e sociedade é possível e que juntasse aqueles que acreditam nesta ideia para se articular, diminuir nossa fragmentação, formar alianças e parcerias para ganhar potência e força política para viabilizar suas propostas, para fazer as transformações. E que se realizasse na mesmo época de Davos para mostrar que precisamos e temos escolhas a fazer.

Compartilhei a ideia com Mara, a minha mulher. Perguntei a ela se a ideia não era muito louca, ambiciosa demais. Ela me deu muita força para continuar. Liguei para o meu amigo Chico Whitaker (por quem sempre tive muito respeito e admiração) que, por coincidência, estava em Paris juntamente com sua mulher, Estela. Chico tinha sido um asilado político na França e ainda tinha família por lá. Ele gostou da ideia e resolvemos ir conversar com nosso conhecido Bernard Cassen, do Attac e do Le Monde Diplomatique. Fomos eu, Mara, Chico e Estela. Bernard também gostou da ideia e sugeriu Porto Alegre por suas políticas sociais inovadoras como local do Fórum. De volta ao Brasil, liguei aos meus conhecidos Raul Pont, prefeito de Porto Alegre, e Olívio Dutra, governador do Rio Grande do Sul. Ambos gostaram da ideia e se comprometeram a dar apoio logístico.

Chico, como Comissão Brasileira de Justiça e Paz, e eu, representando a Cives, reunimos no escritório do Instituto Ethos (entidade que eu presidia na época) em São Paulo representantes da CUT, MST, Attac Brasil, Abong, Cives, Comissão Brasileira de Justiça e Paz, Ibase e Centro de Justiça Global. Estas 8 entidades concordaram com a proposta e formaram o primeiro grupo operativo do FSM. Guardo até hoje a mesa daquela histórica reunião.

Consegui US$200 mil junto à Fundação Ford, o que viabilizou uma secretaria executiva abrigada nos escritórios da Ação Educativa em São Paulo. Fomos a Porto Alegre e negociamos as instalações da PUC (Universidade Católica) para acolher o primeiro Fórum. Juntamente com Bernard, mobilizamos nossas redes internacionais em vários países e fizemos em Julho de 2000 em Genebra (aproveitando um encontro da ONU sobre desenvolvimento social) o lançamento internacional. Junto com vários participantes desta rede internacional formamos o primeiro CI e num trabalho coletivo elaboramos a Carta de Princípios.

A Carta de Princípios e a nova e inovadora metodologia organizativa e política que oferecia espaço para todos, sem hierarquizar temas e entidades, facilitando processos para a promoção de conexões e parcerias, privilegiando o protagonismo das organizações e não de um poder central que comanda tudo, foram pensadas e elaboradas coletivamente e aprovadas de maneira unânime por todos os membros do CI.

Em janeiro de 2001, foi lançado o FSM em Porto Alegre com 40mil participantes, 100 mil em 2002 e 150 mil em 2003. Foi o início de um longo processo. O mapa político da América Latina que em 2001 era majoritariamente de direita mudou completamente. O slogan "Um outro mundo é possível" se desdobrou em "uma outra América Latina é possível", "um outro Brasil é possível" etc. Manifestação contra a guerra no Iraque articulada por entidades no FSM mobilizou milhões de pessoas e conseguiu desestimular alguns países europeus a participar da guerra. O FSM se espalhou pelo mundo. Articulações da Primavera Árabe aconteceram nos vários fóruns na África. Dentro e fora do FSM movimentos ambientalistas, das mulheres, dos indígenas, antirracistas, de povos oprimidos como o do povo da Palestina, ganharam força e amplitude. O processo FSM se desdobrou em vários fóruns mundiais, regionais, nacionais, locais e temáticos.

São inúmeras as iniciativas, parcerias, redes e assembleias que foram iniciadas nos fóruns. Muitas conexões e relações se estabeleceram. Diminuiu a nossa fragmentação. Até hoje recebo muitos relatos de pessoas que contam como a sua iniciativa, a sua rede nasceram num determinado fórum. Sem contar os namoros casamentos, coleguismos e amizades que se estabeleceram, tão importantes na melhoria das relações de confiança, de afeto e de qualidade nas convivências humanas e até nas relações políticas.

Conseguimos superar divergências quanto a discussão sobre diferença de protagonismo entre movimentos sociais e ONGs. Espero que possamos superar com boa vontade os desentendimentos que surgiram em alguns episódios em relação à aplicação da Carta de Princípios. Afinal, acredito que temos os mesmos objetivos, estamos no mesmo campo ideológico. A luta pelo poder fragilizou em muitas ocasiões a esquerda e tenho certeza que com diálogo e boa vontade poderemos superar nossas divergências. Tivemos problemas logísticos em alguns fóruns que nos serviram de aprendizado. Mas considero o balanço geral muito positivo.

Existem iniciativas para a renovação do FSM. São importantes e merecem ser levadas adiante. Acredito que melhorias são sempre possíveis e são bem-vindas. Espero que o debate e os encaminhamentos sejam positivos e que a renovação aponte para o progresso, para o aprimoramento, que acredito seja o desejo de todas e todos. E que aproveitem as experiências e conhecimentos acumulados, dos sucessos e fracassos.

Não esqueçamos que o FSM é um meio e não um fim em si mesmo. Um debate sobre as nossas estratégias, identificando novos desafios e oportunidades, e qual é o FSM mais adequado a estas estratégias seria muito produtivo, facilitaria e tornaria mais objetivas as discussões. Foi a partir desta reflexão que foi construído o FSM, a metodologia e a Carta de Princípios. Acho que as novas gerações, as mulheres, os negros, os indígenas, os grupos marginalizados e perseguidos em vários países, que estão se organizando, se fortalecendo e reagindo, que valorizam a diversidade, que querem ter protagonismo, certamente teriam muita contribuição a dar para este debate.

Eu pertenço à velha geração que cumpriu um papel, lutou, tentou, acertou e errou em seu ativismo. Tenho muita esperança que as novas gerações possam aprender com estes acertos e erros e nos encaminhar para um mundo muito melhor.

Finalmente, ao comemorarmos os 20 anos do FSM, gostaria de render minhas homenagens a Mara, Chico e Estela, ao Bernard Cassen e ao pessoal do Le Monde Diplomatique e Attac França, aos membros das 8 organizações do primeiro grupo operativo, a Fundação Ford , ao Raul Pont e Olívio Dutra, aos membros do primeiro CI, aos governantes e políticos que de diversas maneiras apoiaram e apoiam os diversos fóruns respeitando o protagonismo da sociedade civil, a todas e todos que acreditaram na ideia e ajudaram, apoiaram e participaram do importante primeiro Fórum que deu início ao processo, aos coletivos e milhares de ativistas que organizaram e participaram dos diversos fóruns subsequentes e que dedicam suas vidas a lutar por um mundo melhor. Sem todas e todos, sem elas e eles, não teríamos o FSM e a ideia inicial e a proposta originária não se concretizariam e o mundo seria um lugar pior.


Oded Grajew


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